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8 de junho de 2011

À conversa com os leitores

Neste espaço vou passar a responder, filosofar, ou interiorizar as perguntas que já me fizeram e todas aquelas que os leitores pretenderem fazer-me. A questionar-me também, porque nenhuma obra é definitiva.

4.
Fala-nos do passarim
(pg. 57 )
Aurelino Costa na sessão de lançamento


Uma das minhas brincadeiras preferidas, em criança, era a descoberta de passarinhos. Em Angola, Porto Alexandre a actual Tombwa, há uma barreira de casuarinas com 6 quilómetros de extensão, plantada para impedir que as areias do deserto invadam a cidade. Era para aí que nós íamos descobrir passarinhos. Cada um tinha a sua palavra-passe para anunciar a descoberta. A minha era passarinho; não era grande coisa tendo em vista o resultado do jogo porque outras havia mais lestas, como “olh’ali”. Na maior parte das vezes quando eu terminava de o anunciar já o pássaro tinha voado. Resolvi, então, encolhê-la e inventei o passarim. Os resultados passaram a ser um pouco melhores. Os amigos insistiram comigo para que a encolhesse ainda mais mas eu gostei tanto do passarim que nunca mais mudei de palavra-passe.

Em finais da década de 80 descobri um disco do Tom Jobim, cuja canção-tema começa assim:

Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro partiu mas não pegou
Passarinho, me conta, então me diz:
Por quê que eu também não fui feliz?

Como o meu passarim fora inventado muito antes, por volta de 1958, tive a nítida sensação que um bico-de-lacre* soprara a minha palavra-passe no ouvido do Tom.


nota
* o bico-de-lacre foi importado pelos brasileiros como ave de estimação, soltaram-no na natureza e é hoje parte integrante da avifauna brasileira

9.06.2011


3.
regresso à memória dos rios
(pg. 51)
(Eu.)


O mar congrega duas substâncias fundamentais:


1. o Sal – o sabor da vida - embora por vezes seja, também, o seu amargar (também existe nas lágrimas),


2. e a Água – a memória dos rios - porque é ao mar que os rios vão dar e para lá tudo transportam, guardando assim as suas próprias memórias.


8.06.2011


2.
Póvoa do Mar.
(sobre a minha declarada vontade de, nos autógrafos, escrever sempre, antecedendo a data, o local com esta designação)


Vivi pouco tempo com o meu avô materno, um homem que

cogiava a barra com os olhos inundados de mar*

mas com quem aprendi muito porque, quando foi possível encontrarmo-nos, entre Angola e Portugal, sempre conversámos como crianças adultas, sendo eu pequerrucho e ele avô. Foi ele, talvez mais do que ninguém, que me ensinou o amor pelo mar.
Dizia o meu avô que “Póvoas há muitas, mas com mar há só uma”.
É em sua memória que escrevo Póvoa do Mar e não Póvoa de Varzim.


nota
*de uma obra inédita

8.06.2011


1.
Porquê o título “Solaris, o oitavo mar”
?
(Rádio “Onda Viva”
O Comércio da Póvoa de Varzim
Aurelino Costa, durante a sessão de lançamento)

Embora na altura tenha dado uma resposta sintética a esta pergunta, vou agora aprofundar-me um pouco mais.

O título não tem nenhuma conotação com o filme de ficção científica “Solaris”. Poderá alguém deduzir ser uma provocação, um aproveitamento. Mas não.

Há dois elementos fundamentais que me acompanharam durante toda a vida:

1. O Sol. Porque é evidente a sua importância, não só para mim, mas para toda a humanidade e para toda a vida na Terra:

solar
de corpo e verve
me aceito
(pg. 96)

2. O Mar. Nasci junto ao mar, de pequenino me mudaram de sítio, mas continuou a ser de mar o novo porto. Vivi alguns períodos longe dessa cacimba enorme, mas nunca consegui passar sem ela. Sempre senti a premente necessidade de regressar e sempre voltei ao mar, no mínimo de seis em seis meses. Mais tempo longe dele nunca consegui estar. Não me perguntem o que teria acontecido se assim não tivesse acontecido, porque sempre voltei. A primeira coisa que fazia em cada regresso era descalçar-me e mergulhar os pés naquele veludo acetinado e

sentir os pés molhados pela idade
da água
rasa em chão de maré*

Quando pensei neste livro tentei construir um mundo à minha imagem e, sem me equacionar sequer mas, penso, com toda a lógica, pensei no mar. Seria um mundo de mar. Um novo mar.

Desses dois elementos retenho uma memória perene e quis que se fundissem:

por seres sol
me adestras no fogo


por seres mar
me amestras na vaga
(pg. 99)

As literaturas de ficção árabe e europeia declaram sete mares: o Adriático, o Arábico, o Cáspio, o Mediterrâneo, o Negro, o Pérsico e o Vermelho. Este passará a ser o oitavo e será Solaris, o do Sol.


nota
* do poema “as barreiras na baixa-mar”, em livro ainda inédito.

8.06.2011

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