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29 de dezembro de 2016

1ª canção da terra

Trabalhaste
Até aquela hora
Em que alguém veio
Sorrateiro
E te levou

Eras o carpinteiro com tudo preparado
Desde o betume
Ao formão


Assim alguém veio
Sorrateiro
E te levou

Era Setembro
Tempo de vindimas
Alguém precisou de ti
E te levou
Para acertares as dornas
Que há no céu

E a um canto ficou
O betume
E o formão

Mas o vinho
Já não ferve
Nas mesmas dornas
E a prensa espreme
As últimas lágrimas
Do vinho amargo
Da saudade

Adeus

                            (1ª canção da terra – a meu pai António, 09/95)



                                                           Aurelino Costa
                                                      “Na Raiz Do Tempo”

(escrita de urze)

Escrita de urze
E de suor
Cerzida no olhar
Da Maria

Ela e a vezeira
Atalham
Os carreiros


Aldeia



                                                              Aurelino Costa
                                                           “Pitões das Júnias”

é comovente a tua poesia

é comovente a tua poesia
chego a ter pena de ti e à vezes medo

ardes-me na mão como uma brasa ao rubro
e eu sinto-a e apetece-me levá-la à boca, queimar-me.

adorava que me visitasses mais vezes
tens um quarto cá em casa, louceiro, agasalho
e pão, ainda fresco, coberto com um pano, na masseira de pinho

aguardarei todos os dias, enquanto pascerei vacas até que venhas
e ordenharei úberes brancos, de leite branco e espumoso, meu poeta.

não te esqueças, às vezes tenho fome, muita fome e o jejum mata-me.




                                                    Aurelino Costa
                                               “Domingo No Corpo”

28 de dezembro de 2016

as mulheres de luto

as mulheres de luto soltam
saias,
não se compadecem
com brilhos subalternos

mascam a sardinha e o sargaço

não temem os ventos aspirais dos cérebros
mal dos velhos
em quilhas e madeiras secas de vis sacodem
a côdea, arrombam

não cospem ou latejam acenos
nas malgas sobre os joelhos
entornam os caldos de solda

vão longe os beijos
inscritos nos cascos

cortados olhares secos

a remos o roliço
da língua

mulheres de sem retorno

mar

praças

ancas e lanternas em gamelas
apregoares de lesmas e têmperas enlatadas
volvem agora em oásis

uma inscrição na testa derrama óleos.


                                                     Aurelino Costa
                                                “Domingo No Corpo”

6 de janeiro de 2014

Amanhecer na Katumbela




Cuquiou o dia
no canto de um passarinho do muxito.
Ouvi
e sem depressa
como quem sonha inda

Vi
no Katumbela rio-sacarino
minha mangonha
canoa nas águas lentas
a sensação de nenhum tempo
estar

E olhei a planície      o vale
lugar onde o canavial é dono
é posse
o seu silêncio  coisas   homens
numa canção de abandono

E não ouvi demais
que o canto da madrugada
tinha da sua voz
o murmúrio de caxexe

Apenas
e lentamente
renascia em mim
um novo sono

Então
com de repente
despertei.




Arnaldo Santos

“Momentos (1958-2011)”

5 de janeiro de 2014

Marcas da Guerra - 4




Dos olhos
desta criança escorre
um brilho
sangrento
um grito inaudível
um sonho
por suposto.




J. A. S. Lopito Feijóo K.
“Marcas da Guerra Percepção Íntima & Outros Fonemas Doutrinários”

Subpoesia




Subsarianos somos
sujeitos subentendidos
subespécies do submundo

subalimentados somos
surtos de subepidemias
sumariamente submortos

do subdólar somos
subdesenvolvidos assuntos
de um sul subserviente.



José Luís Mendonça
“Africalema”

por que tiraram mil luas?




Por que te tiraram mil luas
e o silêncio do fogo do cacimbo?

Ave sem ninho não deram tempo
à tua mãe de te ensinar a voar.

Por que é que te arrancaram a terra
do teu coração pequenino?



Maria Alexandre Dáskalos
“Do Tempo Suspenso”

apontava o quadro




apontava o quadro
gemia o soalho

nada mais…

a carne das palavras
e a lava dos sons

em duas mãos
só mais tarde
o musgo cedeu

ao alçapão
do medo.


(…………..)


vergôntea, a cidade




Aurelino Costa
“Na terra de Genoveva”

4 de janeiro de 2014

Biobibliografia 2013

2013


Obra publicada:

Solaris, o oitavo mar” - joaQuim 6-Cento - (Corpos Editora/World Art Friends, Porto, 2011);

Euracini, de pátrias e maresias” - agoNia Moitão, o Facada - (Corpos Editora/World Art Friends, Porto, 2012)

Makamba ou o voo do flamingo” - admário costa lindo – ( e.a. - CreateSpace/Amazon, 2013).


Próximas edições:
Póvoa do Mar, o amar-te” - agoNia Moitão, o Facada
Da refrega e outros poemas” – admário costa lindo
6-Cento & os outros” – admário costa lindo
Mentira, Mentiras” - admário costa lindo e Txitoka Menangula
Oxiwananguê, o arco-íris” – obra conjunta

Em organização:
O Angolense, dicionário da linguagem angolana” – admário costa lindo


agoNia Moitão, Paulo Garcia, Txitoka Menangula e joaQuim 6-Cento são meus irmãos gémeos, em sina. Alter-egos singulares, contam coisas estranhas, muito estranhas por vezes. Porém recusam-se terminantemente a fazê-lo sob qualquer forma impressa. Acham que tudo aquilo o que contam não tem a importância que eu lhes quero dar.

O curioso de tudo isto é que as suas estóras se entrecruzam sempre, não fossem eles almas da mesma pele.

A minha luta, ou função se quiserem, é passar para o papel o que eles me vão contando, um pouco ao jeito das malundas tradicionais. (1)

agoNia Moitão, O Facada, nasceu na Póvoa de Varzim (Portugal) e pelos pais foi levado para Porto Alexandre (Angola) com três anos de idade;
em criança acalentou o sonho de ser pescador, mestre de sacada;
tornou-se guarda de livros.

Paulo Garcia, aliás Sapalo Monakitembu, nasceu no Pinda (Angola);
foi pescador do atum e das garoupas, pescou quiandas e uma deu-lhe um filho;
foi louco, autista e bandido, de acordo com a consciência de certos homens da terra;
tornado kanzumbi, discípulo dileto de Kalunga e protegido de Zambi, foi deificado como Deus-Herói protetor dos quimbares, que passaram a chamar-lhe o Deus Tximbari.

Txitoka Menangula nasceu no Bailundo (Angola), foi contratado em Porto Alexandre, estivador no porto de Luanda e guerrilheiro no Leste de Angola;
preso a 27 de maio de 1977, desapareceu sem deixar rasto;
reapareceu em 1979 em Portugal, para continuar a fazer aquilo que, verdadeiramente, sempre o entusiasmou: contar estórias.

joaQuim Bandika Fiengesa 6-Cento nasceu, presumivelmente, no Quitexe, norte de Angola, em março de 1961, na hora do fogo;
militante do nacionalismo e agitador político;
refugiou-se em Portugal, por desamor.

20/12/2013





1. Narrativas tradicionais, de cariz histórico, que explicam a origem dos povos e nações.

Vária - contos, narrativas & outros textos - II

na banza de 
s. paulo da assumpção de loanda

o ontem de hoje


em Fevereiro de 1575 a armada comandada por Novaes aproou à Barra da Corimba e os marujos vinham cansados da viagem, derreados pela luta contra as ondas, exaustos pelo içar e arrear de velas ao sabor de ventos e marés, que as viagens desse antigamente não eram cruzeiros de férias.

em Março esfregaram-se pela primeira vez nas areias da Ilha que por ora pertence a rei do Congo. não perceberam a riqueza que por ali se espraiava. mulheres, de cofus a tiracolo e vigiadas pelos fiscais de impostos do rei, catavam búzios à borda-d’água. e separavam-nos de acordo com os diferentes tamanhos e valores – reis, tostões, macutas, angolares, escudos, centavos, kwanzas e lweis. com este kumbú os angolas e os congos, os comerciantes e os amigos do alheiro, os descobridores e os encobridores, as zungueiras e os carcamanos, os chineses e os da tropa, negociavam tudo no Roque Santeiro –

cará, chá-de-caxinde e do Sambo, dendém, dinhungo, fijá ou xipoque, fuba, jimboa, jindungo, jinguba, mandioca, massambala, massango, quiabo, quicuanga, quicuerra e usse,

 atunduas, bananas, cocos, gajajas, loengos, maboques, mangas, mamões, mirangolos, múcuas, noxas, safus, sape-sapes, tabaibos e tamarindos,

água com sabor a limão e torresmo, bulunga, champanhe, caporroto, caxipembe, cuca, gúndi, cocacola, macau, maluvo, nocal, quimbombo, quissângua, quitoto, uísque sbell e do galo-selvagem famoso, vinho do porto e a martelo,

biquínis de fiodental, cuecas unissexo com a inscrição I can't get no satisfaction, fardas de sipaio e de soba, fatos pronto-a-vestir e a despir, panos da costa, do Congo e pano só, roupa de fardo e de marca e tixartes com a xipala do Elias Diá Kimuezu,

botas de montar, xanatos, noncacos, pisa-cocó, sapatos de luva e sapatilhas adidas, cabeleiras de carapinha loira e mamas postiças,

computadores com putas e sem putas incluídas dependente do pagamento a pronto ou a crédito, respectivamente, gravadores e leitores de dvd, pleissetêxanes, programas da microsoft e da maçã, televisores de plasma e aparelhagens de som quadrifónico,

cassetes do Minguito, cedês do Quim Barreiros e devedês do Harry Potter,

bandeiras e cachecóis das selecções, camisolas do Mantorras e do Figo,

camisas de Vénus, pensos rápidos e de tampax, papel higiénico de tripla-folha com sabor a manga coco e maracujá,

pau de Cabinda, banha da cobra contra as dores de cabeça mau-olhado e esquentamento,

livros do Lobo Antunes, do Mia Couto, do Luandino, do Saramago e do Pepetela,

bicicletas, triciclos, carros de rolamentos, trotinetas, automóveis artilhados e carros de fórmula 1, jipes, camiões de báscula, motas d’água, cadeirões com rodas para corridas de funcionários públicos sem mais nada que fazer, catrapilas, debulhadoras,

canhangulos, kalashes, carros de combate, bazucas, mona-kaxitos, canhões com recuo e sem recuo

 e outras bugigangas mais.

era lu uanda o tributo que se pagava ao rei do Congo por este quitandismo.

mas como se viu o Novaes não deu por nada nem sequer ligou ao nome, o jimbo, de gentio que soava. seguiu para terra mais firme e fundou uma colónia a que deu o nome de Vila de São Paulo. diz-se que era um louvor ao seu santo. cá para nós, que ele já não nos pode ouvir, aquilo era mas-é truque de aldraba. o que interessava mesmo era o Paulo, para que ficasse escarrapachado nos livros de História. porque o santo uafua e, mais tarde ou mais cedo, ficaria apenas vila e Paulo. isto era ele a pensar e se pensou, o seu amigo Salvador, o do liceu, melhor o emaranhou, acrescentando ao nome uns pozinhos.

dava pelo nome de Benevides, era um brasuca que se tornou governador afamado. foi incumbido de reconquistar a cidade aos holandeses, que lhe tinham cassumbulado tempos atrás.

gloriosamente cumprida a tarefa de resgate e já como príncipe da cidade, o Salvador resolveu mudar-lhe o nome. ah! é verdade, a vila do Paulo já era cidade desde 1605 e passou, então, a chamar-se Cidade de São Paulo da Assumpção de Loanda, porque a reconquista se dera na data comemorativa da Santíssima Assumpção de Maria Virgem, no dia 15 de agosto do ano da graça de 1648.

então e o Luuanda porquê que leva O na vez do U? perguntam vossasmercês. ora, elementar meus caros: se os ingleses, que sempre foram uns gentleménes, escrevem bazooka com dois ós e lêem bazuka com u, sendo eles os inteligentes, Luuanda com dois us haveria de ler-se, necessariamente, Luanda com o. mentira?

mas o caso é que aquele nome dava uma trabalheira dos diabos e só arrastava makas.

nas cartas geográficas começava o primeiro problema: como se iria escrever tamanho nome no mapa-múndi, onde todos os países aparecem capiquininos? teria que transvazar-se o minúsculo quadrado de Angola e invadir os Congos, as Rodésias, a Bechuanalândia, o Sudoeste Africano e até a África do Sul, o que provocaria uma maka de todo o tamanho. seria uma guerra aí para trezentos e vinte e sete anos, dois meses e vinte e seis dias. ora, como nessa altura Angola já seria independente, de nada valeria tal empresa.

e os BIs, que tinham que ser desdobráveis, bolso para lhes guardar seria do tamanho do mataco. com os passaportes não haveria problemas de maior uma vez que, para viagens de avião, bastaria aumentar o peso da bagagem permitida para 40 kg e proibir o transporte de animais exóticos para contrabandear, quer se dizer, para contrabalançar o aeroplano.

o pior seria com as cartas de condução: teriam que ser acondicionadas no portabagagens juntamente com o macaco, o pneu de socorro, a mala de ferramentas, o triângulo de sinalização, o colete fluorescente, os jogos de lâmpadas e a grade de cuca ou nocal.

por isso é que, no antigamente, Luanda nunca teve uma fábrica de calçado. imaginem o que seria inscrever na solaria, “produzido na Fábrica de Calçado Makambira na Cidade de São Paulo da Assumpção de Loanda”, só se fosse no sapato 79.

bom-bom seria nas competições desportivas. nos desportos à vela, por exemplo. para inscrever  a sigla do grupo de desportos náuticos – GDNCSPAL -  seria necessário colar um apêndice na vela. desse modo tal coisa sempre cortaria a meta antes da proa, estando o vento de feição. mas, neste acaso, corria-se o risco de o comité olímpico os desclassificar por doping de sinalização.

o problema tornou-se de tal forma grave que a edilidade resolveu agendar uma Assembleia Geral Extraordinária para discussão da maka. foram convocadas todas as forças vivas para a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto Único – Análise, discussão e votação da questão da continuidade ou substituição da designação “Cidade de São Paulo da Assumpção de Loanda” como toponímia oficial da cidade de São Paulo da Assumpção de Loanda.

foram também enviados convites às forças desvivas que desejassem assistir a tão transcendente evento, incluindo pretos, mulatos, cabritos, cafuzos, brancos, albinos e mukuankalas, mas sem direito a voto. coisa assim só para inglês ver e também sul-africano, como prova de que ali não havia racismo. os mukuankalas não compareceram por serem visceralmente alérgicos a governos – são eles os mais antigos anarquistas – e também porque são geneticamente claustrofóbicos: sentem-se felizes apenas em savanas e desertos amplos e detestam contentores com portas e janelas.

aberta a sessão o presidente da Câmara logo iniciou as hostilidades com uma proposta luminosa:

proponho que a cidade passe a designar-se CSPAL, das iniciais do seu nome actual.

oh, senhor Presidente, por amor de Deus! que SPAL, que SPEL! já temos a Cuca, a Nocal e a Sbell, vamos agora inventar mais uma marca de bebidas alcoólicas? contrapôs o abade da freguesia da Mutamba.

eu proponho que se utilizem as duas primeiras letras de cada palavra. ficaria CiSaPaAsLu, avançou o vereador do pelouro do urbanismo.

fala-se em bebidas alcoólicas e é o que se vê, letras a dobrar. o melhor seria utilizar cada letra apenas uma vez. o que daria um nome mais pronunciável e pomposo: CISAPLU, ufanou-se o intendente dos sipaios.

nã nã nã... isso é tudo um dislate. vamos para o mais simples, Paulo apenas, ou Assumpção, encabritou-se o Chefe do Estado-Maior do Exército.

alto lá e para a rebita! retorquiu o Comandante da Polícia, Paulo nunca – e por isso estamos aqui - nem por sombras, porque para além de um conquistador esse é também o nome de um meu vizinho que está preso por cumplicidade com o Garrido Kam’tuta sung’ó pé no roubo do jacó da Inácia.1  esse nome já tem os dias contados. oponho-me terminantemente. aliás, proponho até que se tente desvendar se o Dias de Novaes não teria outro nome, a ver se conseguimos varrer esse antropónimo da História da nossa cidade.

estou plenamente de acordo, aconchegou-se o Inspector Provincial da Educação e Cultura, e Assumpção... por muito respeito que eu tenha pela Virgem, cheira a mulher e o nosso burgo deve ser um garanhão. cidade da Assumpção, onde já se viu...

a falta de ideias e as justificações estapafúrdias grassavam de ponta a ponta da mesa. era uma verdadeira pobreza franciscana o que vomitavam aquelas cachimónias. o que levará Luandino a afirmar futuramente: na nossa terra de Luuanda passa as coisas que põe vergonha na gente. Se não for assim talqualmente, será perto disso.

dando razão ao que acaba de ser dito no parágrafo acima, o assunto regressou ao estafado plano das siglas. as propostas foram-se multiplicando: as letras aumentavam de número, diminuíam, mudavam de sítio, saltavam de poiso, voavam, aterravam, atropelavam-se.

CISA... não, que haveria de nascer um arquitecto a quem dariam tal nome e, depois, não faltariam as malínguas a mujimbar compadrios na aprovação dos projectos de construção.

SAPALU... não, que soava a nome de contratado e, provavelmente, viria por aí de malas aviadas a ONU, levantando a questão da independência, o que não convinha mesmo nada.

APLP... pior, mil vezes pior, cheira a movimento terrorista, tresanda a subversão e a comunismo. não, nem pensar... indignou-se o inspector-chefe da Pide, o simples facto de se pronunciar tal nome é, só por si, um acto subversivo.

cento e quarenta e três horas depois a Assembleia embatucou. as forças vivas estavam mais mortas que isso. os assistentes, os desvivos que não foram chamados a pronunciar-se, dormiam a sono solto e roncado. todos menos um sekulo de carapinha branca, o velho Kamukanda, as costas curvadas em cadeiras incómodas, não se sabia se da idade ou do peso de tanta xibadela lançada para a plateia por tão ínclita geração de altos inaptos.

o velho levantou-se e bateu as palmas para ser escutado. todos acordaram e resmungaram quando reconheceram, com olhos ainda mangonheiros, o local onde se encontravam. dirigindo-se à mesa da Assembleia, o cota falou:

vocês é mas-é muito matumbo. antão tanto tempo que’stá se passar nas maka de discutimento é pra quê? nossa terra se chama só é Luanda, ma’nada! Agora vou m’imbora dar o milho na jigalinha. Xal’enu!

assunto arrumado!



agoNia Moitão, o Facada
Póvoa de Varzim | Abril de 2008




notas:
1. Personagens de Luandino Vieira, em “Luuanda”.
aldraba. Aldrabão, mentiroso.
atundua. Aframomum alboviolaceum, planta herbácea e o seu fruto, comestível.
banza. Cidade principal, correspondente a capital, dos antigos reinos angolanos do N; residência do rei ou do soba.
bulunga. Bebida alcoólica de consistência espessa, obtida pela leve fermentação de milho, massango ou massambala.
cabrito. Mestiço filho de pais branco e mulato.
cafuzo. Mestiço filho de pais negro e mulato.
canhangulo. Antiga espingarda de caça de carregar pela boca.
capiquinino. Muito pequeno, minúsculo.
cará. Amendoim.
caporroto. Bebida alcoólica obtida por fermentação do milho. Bastante embriagadora, é originária da região de Malanje.
carcamano. Nome pejorativo dado ao branco sul-africano.
cassumbular. Brincar ao jogo infantil da cassumbula, idêntico ao jogo da estátua, cujo objectivo é a conquista de um objecto ou pessoa. Conquistar, roubar; tirar com manha, astúcia ou ligeireza.
caxipembe. Bebida alcoólica, dos umbundos e ganguelas, resultante da fermentação e destilação de cereais.
chá-de-caxinde. Infusão das folhas  da planta vivaz aromática Cymbopogon citratus, também designado chá-de-príncipe, com propriedades digestivas e utilizado no tratamento de constipações.
cofu. Saquinho tecido de palha, que as mulheres que apanhavam o jimbo usavam a tiracolo. 
cota. Velho, o mais velho, o maior; sábio; superior (em termos hierárquicos); ancião, patriarca; o mais experiente e sábio.
cuca. Marca de cerveja.
dendém. Fruto do dendezeiro ou palmeira-do-dendém, Elaeis guineensis, do qual se extrai um óleo ou azeite muito utilizado em culinária.
dinhungo.
fijá. Feijão.
fuba.  Farinha de mandioca, milho ou massambala.
gajaja. Fruto comestível da gajajeira, Spondias mombin, muito aromático e de sabor agridoce.
gúndi. Leite fermentado, com consistência semelhante à do iogurte, do S e Centro de Angola. Misturado com produtos vegetais ou minerais é cosmético.
jigalinha. Galinhas.
jimbo. Olivancillaria nana, gastrópode marinho univalve com 15 a 18mm de comprimento, concha acinzentada brilhante, podendo apresentar uma variação entre o castanho e o violeta. O seu habitat está limitado à costa de Angola, principalmente às praias de Luanda, Belas, Benguela, Lucira, Namibe, Tombwa, Baía dos Tigres e Foz do Kunene. Moeda de troca que circulou no Reino do Congo.
jimboa. Amaranthus spinosus, planta herbácea espontânea que tem a particularidade de apresentar duas estipulas espinhosas nas axilas das folhas do caule, com valor nutritivo superior ao da couve.
jindungo.  Piri-piri.
jinguba. Amendoim.
kalashe. Designação pop. da espingarda-metralhadora Kalashnikov, de fabrico soviético.
kumbú. Dinheiro, ferro, graveto.
loengo. Fruto do loengueiro, Anisophyllea gossweilleri, semelhante à ameixa.
maboque. Fruto do maboqueiro, Strychnos spinosa, de aspecto semelhante ao da laranja mas de casca muito dura (pericarpo ósseo) contendo inúmeras sementes envolvidas por uma abundante polpa gelatinosa com sabor agridoce ou subácido.
macau. Bebida alcoólica obtida por fermentação da massambala, dos povos do S.
macuta. Antiga moeda que circulou em Angola até à quarta década do séc. passado, com o valor de 30 réis.
maka. Na tradição oral angolana as maka são histórias narrativas de acontecimentos do passado, uns verdadeiros outros de origem lendária ou fruto da imaginação mas que se foram impondo como se de factos reais se tratasse. Conversa decisória, conversação, assembleia pública ou familiar. Altercação, confusão, discussão, problema, sarilho.
maluvo. Malavo, Marufo ou Maruvo, bebida resultante da seiva das palmeiras, principalmente de palmito, bordão e matebeira. É uma bebida muito apreciada no N de Angola onde tem funções sociais precisas, como seja a cerimónia do alembamento, o final de uma maka ou o agradecimento ao voluntariado comunitário nas zonas rurais.
mamão. Variedade de papaia, Carica papaya.
mangonheiro. Indolente, calaceiro, mandrião, molengão, preguiçoso.
massambala. Sorghum spp., variedade de sorgo usada na alimentação, tanto humana como de animais domésticos.
massango. Pennisetum robustum, planta gramínea anual cujo grão é utilizado na alimentação, tanto humana como de animais domésticos. Transformado em fuba é a base alimentar dos povos do SO de Angola, principalmente dos Ambós.
mataco. Bunda, nádegas, traseiro.
matumbo. Provinciano, parolo; estúpido, ignorante, inculto.
mirangolo. Fruto comestível da mirangoleira, Carissa edulis, levemente agridoce, abundante na região da Huíla.
mona-kaxito. Arma de guerra, da categoria de armas pesadas, de fabrico soviético, tecnicamente designada Órgão de Staline; assim designada por ter sido utilizado pela primeira vez na Batalha do Kaxito, em 1975, pelas FAPLA e exército cubano.
múcua. Fruto do imbondeiro ou baobá, Adansonia digitata.
mujimbar. Lançar boatos.
mukuankala. Designação por que são conhecidos, pelos povos bantos vizinhos, os Bochimanes.
nocal. Marca de cerveja.
noncaco. Sandália feita com aproveitamento de pneu de automóvel, própria dos Nhanecas.
noxa. Fruto comestível e muito apreciado da noxeira, Parinari curatellifolia.
pano. Peça de vestuário tradicional das bessanganas de Luanda. Usa-se traçado sobre o corpo, das axilas até a altura do tornozelo. O pano da costa cobre o restante vestuário que inclui o pano-saia, usado atado à cintura e que é também peça de vestuário dos homens muxiluandas.
pau de Cabinda. Pausinystalia spp., árvore cuja casca é usada como estimulante sexual.
quiabo. Fruto do quiabeiro, Hibiscus esculentus, muito utilizado em culinária.
pisa-cocó. Sandália de plástico.
quicuanga. Bolo ou espécie de queijo de mandioca fermentada que se apresenta envolto em folhas de bananeira.
quicuerra. Guloseima tradicional de farinha de mandioca e jinguba, a que se acrescenta açúcar a gosto.
quimbombo. Bebida alcoólica da fermentação do milho, muito embriagadora.
quissângua. Bebida alcoólica obtida por fermentação do milho.
quitandismo. de Quitanda (lugar, banca, tenda ou loja de comércio). Comércio, negócio.
quitoto. Bebida leitosa preparada da fuba de milho ligeiramente fermentada, que é tomada com cola e gengibre, como reconstituinte, logo pela manhã.
Roque Santeiro. Mercado ao ar livre, no Bairro Sambizanga, em Luanda, considerado o maior mercado do género em África. A designação deve-se ao título homónimo de uma novela brasileira que, na altura do surgimento do mercado, na década de 80 do séc. passado, era exibida na televisão angolana.
safu. Pachylobus edulis, arbusto arborescente ou árvore perenifólia cujo fruto, do mesmo nome, a despeito do sabor a terebintina, é comestível e muito apreciado.
Sambo. Famosa família de ervanários estabelecida em Luanda.
sape-sape. Variedade de anona, fruto da anoneira, Annona spp.
sekulo. Ancião, velho; conselheiro do soba; homem respeitável.
sipaio.  Antigo polícia africano adstrito aos Postos Administrativas e esquadras de musseques.
soba. Autoridade tradicional, chefe do quimbo ou sobado; chefe tribal, régulo.
tabaibo. Designa, no S de Angola por influência madeirense, o fruto comestível da figueira-da-índia, Opuntia ficus-indica.
tamarindo. Fruto do tamarindeiro, Tamarindus indica, comestível, com sabor ácido mas levemente adocicado.
uafua. Morreu.
usse. Hibiscus sabdariffa, vinagreira, rosela ou caruru-azedo, é um arbusto anual cujas folhas são utilizadas na alimentação.
xal’enu! Passem bem!
xanato. Calçado velho ou fora de uso.
xibadela. Arroto de bêbedo. Taramelice.
xipoque. Feijão.
zungueira. Vendedora ambulante que negoceia pelas ruas.
  

  

Vária - contos, narrativas & outros textos - I

O Menino




Na guerra - uma qualquer guerra - perdera os pais, a morada, o nome e a idade. Era apenas o Menino. Poucos o conheciam. Uns por ignorância, outros por desprezo. Sobrevivia do que recolhia no cisco do lixo e dormia, quando podia, sob as estrelas. Não tinha passado e o futuro não se entrevia.

Naquela noite resolveu dirigir-se à parte rica da cidade, porque a fome apertava em demasia. Sabia correr o risco de ser enxotado por qualquer Guardião da Aparência, os que não toleravam meninos de rua. De qualquer rua.

Era quase amanhã, a melhor hora para deambular livremente, sem ser importunado. Nas ruas, fantásticas áleas de luzes multicores ladeavam o caminho da felicidade anunciada. Contrariamente a outras noites, todas as montras estavam iluminadas, mostrando a beleza da superficialidade.

A medo, o menino aproximou-se de uma montra, qual palco de vaidades. Deslumbrado, olhou para tudo com olhos ávidos e, a princípio, a sua visão desacostumada não soube esmiuçar o que via. Foi necessário algum tempo para que a amálgama de brilhos e cores começasse a ganhar formas concretas.

Tudo o que o seu pequeno mundo lhe mostrara e tudo o que desconhecia estava ali, em miniatura. Carros de formas e marcas variadas: automóveis belíssimos, camiões, tractores, maximbombos e motos. Pistas de automóveis e de comboios. Bonecos e bonecas. Piões eléctricos, raquetes, bolas para todos os desportos. Formas inimagináveis de seres alienígenas, numa secção particularizada, não despertaram no Menino particular atenção. Depois era a secção de livros, jogos e quebra-cabeças, contando estórias que nunca ninguém lhe contara. Pistolas, espingardas e metralhadoras. Muitas pistolas, espingardas e metralhadoras, tanques de guerra e soldados em miniatura. Sentiu um arrepio e desviou o olhar. Ao fundo, para lá da montra, eram triciclos e bicicletas, irradiando cores metálicas e, mais ao lado, um palanque mostrava o último grito da moda em informática, que nada lhe dizia.

Passou o olhar para a montra seguinte. Bolos-reis e inúmeros outros doces, nozes, pinhões, amêndoas, avelãs, uvas-passas, muitos frutos secos cobertos de diamantino açúcar, rebuçados, caramelos e bombons. O Menino, despreocupado, foi encostando o rosto à vidraça. Os seus olhos eram dois cristais límpidos, brilhantes e alvoroçados. O rosto magro abriu-se num sorriso largo, tão largo que ofuscou as luzes da rua toda. Encostou as mãos espalmadas ao vidro da montra, querendo agarrar aquela visão.

Subitamente sentiu-se arrastado, arrancado à força, extorquido àquele mundo de sonho. Uma mão sapuda manietava-o fortemente.

- O que é que fazes por aqui, a estas horas?

- Nada, sô guarda, estava só olhar!

- Pois... e eu sou o Pai Natal! Onde anda o teu grupo?

- Grupo de quê sô guarda?

- Grupo de quê... o grupo da roubalheira!

- Não sei, não... eu não tenho grupo nenhum.

- Ai não, então vamos para a esquadra para veres como elas te doem!

Chegados à esquadra o Menino foi brutamente arremessado para um banco-corrido, em corredor gélido, atónito e sem entender que mal fizera. Dos lados esconsos da esquadra vinha o som de um entrechocar de pratos, copos e talheres, sob um fundo de alegre algazarra.

- O teu nome?

- Não tenho.

- Ora essa, não tens nome? E o teu pai?

- Não tenho pai!

- A tua mãe?

- Não tenho mãe!

- Caramba, tu não tens ninguém? - agastou-se o guarda.

- O que é que se passa aqui? - indagou o chefe da esquadra, surgido da banda do entrechocar de pratos, copos e talheres. O guarda tentou explicar-se:

- É este puto que estava a rondar as montras da baixa, certamente a preparar o campo para a quadrilha...

- És a mesma besta todos os dias! - interrompeu-o o chefe - Põe o miúdo na rua e rasga-me essa papelada. Que bela ideia! Prender um vadio na Noite de Consoada!

Mal se apanhou fora da esquadra, o Menino correu, correu, correu... até não aguentar. Sentou-se no chão, esbaforido. Olhou à sua volta e só encontrou a noite, escura como o seu coração. Estava fora da cidade, não sabia onde. Arrastou-se até uma árvore, encostou a cabeça ao tronco e sentiu duas grossas lágrimas correrem pelo rosto ossudo. Muito ao longe, as luzes da cidade eram pirilampos sumidos na escuridão.

Quando o frio já lhe regelava os ossos, lembrou-se que talvez encontrasse, por ali, alguma estrebaria. Andou quase um quilómetro, sentindo a humidade do solo como lâminas nos pés descalços. Encontrou uma casa de lavoura e tacteou paredes até encontrar o que procurava.

Na casa, a mãe, o pai e sete filhos refastelavam-se à volta de uma mesa alegremente algaraviada e supimpamente guarnecida. A mulher pressentiu qualquer barulho no exterior e saiu. Regressou instantes depois, excitada e com o rosto afogueado:

- Venham ver... depressa... parece um milagre!

Todos se quedaram, estupefactos, à entrada da estrebaria. A um canto, no meio da palha, o Menino dormia enroscado entre a vaca e o jumento.

- Não parece mesmo o Menino Jesus? - indagou a mulher, perguntando-se.

Os outros, boquiabertos, acenavam afirmativamente com a cabeça ainda estonteada.

Só não viram as lágrimas, nem escutaram o batucar tiritante do coração do Menino.



Admário Costa Lindo
Sanzalangola.com | 22.12.2005


notas:
batucar. Bater a compasso.
maximbombo. Autocarro de transportes públicos.

27 de dezembro de 2013

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Makamba, poema

makamba

palavras aos meus amigos em dia do meu aniversário

quando escuto estas vozes
folhas da mesma palma,
quando leio estas frases
gérmenes da mesma alma,
vejo-me e sinto-me rei
de um país deserdado.

rostos d'halo luminoso
são a lente diáfana
a limpidez da memória
que me traz d'outro espaço
vetusto tempo venturoso.

salmo
fado ou batuque
lágrima choro asnidade,

casa
cubata ou tapume,
nada lhes trava a vontade.

trazem no peito amarrado
o génio preso à saudade,
buscam no fel a doçura,
fincam do braço a firmeza
e trazem à tona a verdade.

quando leio estas vozes
lírios da mesma palma,
quando escuto estas frases
rosas da mesma alma,
vejo-me e sinto-me rei
de um país reinventado.

Makamba, Introdução

Os poemas constantes desde livro nasceram na internet, em
http://makamba.blogs.sapo.pt 1
e www.sanzalangola.com
dezembro de 2005 | janeiro de 2008.
(1) weblog atualmente desativado



Aos meus cambas

Desde que nos achámos nesse quimbo global que é a internet, uma eternidade depois de a História nos ter feito distantes, a memória tem transbordado com as estórias que nos amadureceram próximos, amigos e irmãos.

Deixámos de ser vizinhos, já não moramos na mesma cidade, não palmilhamos os mesmos caminhos debruados a ouro pelas areias do deserto. Por essa razão, a partir de certa altura, passei a oferecer-vos um poema no dia do vosso aniversário. Para além dos ora publicados, outros fazem parte de obras anteriores (“Solaris, o oitavo mar” e “Euracini, de pátrias e maresias”).

Como não podia deixar de ser, todos eles estão imbuídos de uma grande carga emocional que nos faz recuar aos trilhos percorridos em comum.
A saudade imanente, explícita ou não, é apenas uma leitura histórica do passado e a assunção de que somos hoje o espelho de tudo aquilo que nos enformou. Não nos derrotaram aqueles que tentaram mudar-nos a matriz. Vencemos as amarguras e as contrariedades à nossa maneira, não por querermos ser diferentes mas – ao contrário – porque sempre pretendemos ser nós próprios.

Hoje, “quando escuto estas vozes”, sinto orgulho por pertencer à geração do “voo do flamingo” e agradeço-vos por me terem como amigo.

Aos novos leitores

Os poemas que vão ler, como está dito, são dedicados a amigos meus. São fruto de uma vivência, da infância à juventude, precisa e localizada – Porto Alexandre/Tombwa) e Moçamedes/Namibe, lugares de Angola onde a força do querer se elevou mais do que a agrura do clima. Com uma excepção: o poema “quando secar o cacimbo” (publicado em “Euracini, de pátrias e maresias”, mas parte integrante deste conjunto) é dedicado a uma xicoronha da Chibia que conheci “virtualmente” durante esta nova revoada da História. E a Chibia ali tão perto!

Um dos grandes defeitos do Homem é a intransigência perante a diferença ou, dito de outro modo, a intolerância face à não-semelhança. Daí nascem as fobias – as homo, as xeno e as outras – e, mais adiante, as guerras.

O percurso da Humanidade é composto por várias Histórias e a nossa é uma delas, disso não há que abdicar… nem negar.

Essa nossa História já começou a ser contada por outros como eu e se é verdade que não há duas pessoas iguais, logo não haverá dois angolanos iguais, a outra verdade é que vivemos um percurso paralelo e foi a isso que nos agarrámos para nos aproximarmos e sobreviver.
Espero apenas, embora de uma forma não linearmente descritiva – que é o meu modo – colaborar para um melhor entendimento do que foram e do que são os angolanos (de sangue ou de alma) que deambulam pelo mundo, quais canzumbis – a quem aqui chama(ra)m retornados, embora nem todos o sejam porque não é possível retornar a lugar onde nunca se esteve – e que daquele pedaço do mundo trouxeram uma forma própria de ser e estar, nem melhor nem pior, apenas diferente, “sabendo o que fomos e ao que
vamos” e capazes de viver, no longe, “um país reinventado”.

Quando aqui chegámos – os que estão contemplados nas dedicatórias – pertencíamos quase todos às gerações mais novas dos tais retornados. Hoje muitos dos nossos filhos fazem questão de se afirmarem descendentes de angolanos e sonham com a possibilidade de, um dia, poderem conhecer a terra de que seus pais tanto falam. Alguns já cumpriram esse desejo e, desses, muitos por lá ficaram. Outros correm de-cá-para-lá e de-lá-para-cá. Por alguma razão isso acontece.

admário costa lindo
Póvoa de Varzim, 20 de dezembro de 2013.

Makamba, ou o voo do flamingo


DEDICATÓRIA
Adélia Clara Vaz
canção de ninar
Alzira Petinga
vetusta alma
Bigó
o muana do sax
Cláudia Viegas
o mergulho
afetos
Dilar Silva
milagre verde
tom de alazão
Elizete Trocado Delgado
fibra da alma
no pulmão da garroa
Eloísa Estácio
anamnese
Isabel Pinto Novo
a palma da mão
traços & laços
Isaura Pinda
o afeto o rio e a ponte
João Manuel Trocado Paulo
vozes
velas e cordames
Lídia Delgado Peleira
a margem
Lourdes Canuca
regresso ao sul
Lourdino João Marques
trumuno
Ludovina Mª Paulo
a nuvem a chuva e a lágrima
Mano Mingos
memórias da bimba
nome de sangue e guerra
Mª Albertina Coelho Estácio
verdes anos
o livro sagrado
Mariana Almeida
o voo do flamingo
o tempo o verbo e o poema
Mª Nair Delgado Peleira
no areal
a sede
Nair Trocado Delgado
uma flor
Neco Mangericão
Welwitschia mirabilis

15 de julho de 2012

Foi No Mar Que Aprendi


Foi no mar que aprendi o gosto da forma bela

Ao olhar sem fim o sucessivo

Inchar e desabar da vaga

A bela curva luzidia do seu dorso

O longo espraiar das mãos de espuma



Por isso nos museus da Grécia antiga

Olhando estátuas frisos e colunas

Sempre me aclaro mais leve e mais viva

E respiro melhor como na praia




Sophia de Mello Breyner Andresen

D. Tareja


As nações todas são mistérios.

Cada uma é todo o mundo a sós.

Ó mãe de reis e avó de impérios,

Vela por nós!



Teu seio augusto amamentou

Com bruta e natural certeza

O que, imprevisto, Deus fadou.

Por ele reza!



Dê tua prece outro destino

A quem fadou o instinto teu!

O homem que foi o teu menino

Envelheceu.



Mas todo vivo é eterno infante

Onde estás e não há o dia.

No antigo seio, vigilante,

De novo o cria!




Fernando Pessoa